A matéria publicada na Folha Vitória no dia 25/06/2009 conta um pouco sobre a vinda de alemães vindos de navio para o Espírito Santo. Toda a história foi pesquisada por Cristiane da Rosa Saffran e Débora Herzog Miertschink e publicado no livro “Santa Maria de Jetibá: Caminhos Pomeranos”.
Cinco de abril de 1869. Uma multidão enche o porto de Hamburgo. Todos correm. O navio Guttemberg apita chamando os tripulantes à viagem. Na verdade, chama todos para a realização do sonho de uma vida melhor. Carl Brumm tem 24 anos. Na Pomerânia era agricultor. Filho de Charlotte, 45 anos, espera uma vida de mais oportunidades no novo destino para a qual o navio os chama. Depois de muito correr no meio da multidão, os dois enfim, embarcam.
Enquanto o navio balança para um lado e para outro, Carl relembra o quão difíceis foram os últimos anos em sua terra tão amada. A industrialização e o capitalismo haviam feito estragos por toda a parte. A população aumentava na mesma proporção que o desemprego, a fome e a pobreza. Foram muitas tentativas para melhorar de vida naquela terra, todas sem sucesso. Então, surgiu a oportunidade de encontrar uma vida melhor em terras distantes. Mesmo com receio, ele resolveu tentar.
Depois de alguns dias em alto mar, muitas pessoas começam a passar mal, inclusive as crianças. O calor faz a comida e a água ficarem ruins. Desacostumado com o clima, Carl também sente um leve mal estar. Rapidamente se esquecem de toda a tristeza e começam a comemorar. Carl percebe o motivo de tanta agitação: ao longe, podem ver um pedaço de terra. A alegria continua até chegarem à terra firme. A trajetória que tinha tirado a vida de tantas pessoas tinha chegado ao fim. Foram 48 dias. Mas, agora não era hora de pensar nessas coisas. Afinal, estavam na terra que “jorra leite e mel”. Tinham chegado ao Brasil.
Estavam no porto do Rio de Janeiro. Rapidamente todos são levados à outra embarcação que os levará em direção às terras que lhes foram dadas. Mesmo sendo mais curta, a viagem é até mais complicada que a outra. O barco é pequeno e as pessoas precisam ficar amontoadas. O mar agitado faz muitos temerem pela própria vida. Quando chegam à terra firme, Carl observa uma confusão. Percebe então, que algumas pessoas os direcionam a um lugar, um pedaço de terra pequeno que os separava do maior pelas águas.
Estavam na Hospedaria Pedra D’Água, na Baía de Vitória. Alguns dias se passam até que alguém aparece para tirá-los dali. Descobrem então que terão que tomar outras embarcações, ainda menores, para chegar ao seu destino final. As pequenas canoas feitas de árvores, cheias de colonos, mal conseguem suportar o peso das pessoas e de suas bagagens. Chegam ao Porto de Cachoeiro exaustos e são alojados em barracões. Estes passam longe do mínimo da higiene e do conforto que os colonos tanto desejavam. Muitos passam mal e diz-se até que as autoridades da área da saúde tinham condenado o local, por ser propício ao surgimento de epidemias.
Dias se passaram e enfim, começaram a chamá-los para ocuparem os seus “prazos” (lotes de terra), que nesta época eram de 30 hectares. Porém, eles logo perceberam que tinham sido enganados. Os doentes não têm atendimento médico, nem remédios, muito menos qualquer auxílio. Os lotes nos quais eles se estabeleceriam simplesmente não existiam. Existia sim, uma mata densa e inexplorada, cheia de animais e montanhas. Em muitos pontos era impossível que eles se estabelecessem e plantassem o que quer que fosse.
A história de Carl Brumm não é diferente da de muitas outras famílias de imigrantes que chegaram às terras capixabas. Todas as expectativas se transformaram em uma árdua realidade: agora eles precisavam ocupar terras ainda selvagens. As promessas feitas pelo governo brasileiro, dentre elas a liberdade religiosa e a assistência médica, se transformaram em pesadelo.
Os pomeranos pouco sabiam da viagem que os levaria a terra tão sonhada. Conta-se que, por diversas vezes, os ventos contrários fizeram com que os veleiros voltassem ao mesmo lugar de onde tinham saído. Além disso, o trajeto era longo e as condições de viagem eram péssimas, o que fez com que muitos nem chegassem ao Brasil. Não se sabe ao certo quantos morreram, mas contabiliza-se que, em cada embarcação, cerca de 15 a 20 pessoas eram sepultadas em alto mar. As dificuldades não diminuíram quando esses colonos chegaram ao Brasil. As doenças tropicais atacaram os pomeranos, que não estavam acostumados ao clima e aos animais venenosos. Muitos sofreram com febre amarela, tifo, malária, dermatite purulenta, bicho-de-pé e ataques de cobras venenosas e escorpiões.
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Casamento de Lourenço Henrique Brum com Maria Ratunde |
A maioria dos pomeranos que chegaram às terras capixabas migrou para a região serrana, principalmente para o município de Santa Maria de Jetibá, que hoje é considerado o lugar que abriga mais pomeranos do Brasil.
O ano exato da chegada dos primeiros imigrantes ainda é motivo de controvérsias. Muitos estudiosos da cultura pomerana afirmam que o primeiro grupo de imigrantes se estabeleceu no Espírito Santo em 1857 e que dele desembarcou Fritz Klemes, o primeiro pomerano a chegar ao Estado. Porém, o primeiro registro desses imigrantes no Arquivo Público Estadual dá-se em 1859. Por isso, historicamente, neste dia 26 de julho de 2012 se comemora os 153 anos da Imigração Pomerana no Espírito Santo.
Atualmente, os descendentes de Carl Brumm vivem em uma casa tipicamente pomerana no interior de Santa Maria de Jetibá, na comunidade rural de Rio Bonito. Seu filho, Lourenço Henrique Brum, faleceu em 2011, mas enquanto estava vivo guardou na memória as recordações do passado do pai. O neto Lourenço Brum pela ausência de uma letra, seu sobrenome se diferencia do registrado pelo avô, provavelmente por um erro de registro, muito comum nos primórdios da colonização. Lourenço Henrique Brum aprendeu sozinho a ler e escrever em português. De maneira impressionante, o colono enquanto vivo lembrava-se de detalhes importantes do período da imigração e do desenvolvimento da colônia de pomeranos em Santa Maria de Jetibá.
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Lourenço e seu neto Valdeir: descendentes alemães |
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Casa da família Brumm em Rio Bonito |